As dores dos cortes, murros e xingamentos ainda atormentam os dias e as noites de Wtsherdhay Gonçalves dos Santos, de 22 anos. O jovem negro e autista foi espancado e teve um olho rasgado em Águas Claras (DF), no dia 2 de janeiro de 2023. Apesar do ocorrido, o rapaz defende que as pessoas amem mais. Com apoio da família e amigos, ele recupera sorrisos e sonhos. A esperança “subiu de nível” com a notícia de que vai receber uma prótese ocular.

Após ter sido espancado e perdido o olho, o jovem negro autista Wtsherdhay Gonçalves, de 22 anos, busca forças para recomeçar a vida ao lado da família e de amigosVinícius Schmidt/Metrópoles

O rapaz recebeu a notícia de que receberá uma prótese ocularVinícius Schmidt/Metrópoles

Wtsherdhay perdoa os agressores, mas quer que eles paguem na JustiçaVinícius Schmidt/Metrópoles

O rapaz sonha em ir a shows de pagode de bandas, como a Menos é Mais, e em se tornar personal trainerVinícius Schmidt/Metrópoles

O jovem negro autista ainda sente dores pelo corpo Vinícius Schmidt/Metrópoles

Dona Wheda, mãe de Wtsherdhay, cobra Justiça. “Arrancaram o olho do meu filho. Arrancaram o meu coração”, disse, aos prantosVinícius Schmidt/Metrópoles

Para o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF), Edilson Barbosa, os agressores precisam ser punidos, mesmo sendo menores de idadeVinícius Schmidt/Metrópoles

Na avaliação do representante da OAB-DF, a sociedade precisa superar o preconceito e apreender como conviver com as pessoas autistasVinícius Schmidt/Metrópoles
0
O Metrópoles entrevistou Wtsherdhay e a família do jovem na manhã de segunda-feira (23/1). Pouco antes do início da conversa, o rapaz sorriu ao receber uma ligação e ser informado de que receberá um olho de vidro. O jovem ainda não consegue se reconhecer diante do espelho. “É uma boa notícia, meu sonho. Vai dar mais alegria ainda para a minha mãe”, diz, esperançoso.
A prótese ocular será produzida pelo Hospital Universitário de Brasília (HUB), e conduzida pela professora Aline Úrsula. A primeira consulta para o começo do processo da moldura está marcada para o dia 31 de janeiro. Segundo a família, ela será gratuita.
Wtsherdhay é um rapaz leve, carinhoso e humilde. Gosta de conversar, de teatro, dançar e ouvir pagode. É fã das bandas Menos é Mais, Benza Deus e Largo Tudo. Por isso, após a recuperação, sonha em ir nos shows dos pagodeiros de Brasília. O rapaz também curte esportes. E, por isso, no futuro, pretende se formar em educação física e ser personal trainer. “Gosto de artes marciais, jogar bola, malhar”, contou.
Ele sempre protegeu o irmão mais novo, Solomon Gonçalves Chwukuemeka Maha, 10 anos. E em 2 de janeiro não foi diferente. Ao ver o grupo de meninos provocar a criança, soprando fumaça contra o rosto do menino, ele partiu em defesa, sem hesitar. “Eu fui falar para eles pararem e um deles pegou um canivete na mochila e atacou meu olho. Depois desmaiei. Ele ainda me xingou de preto fedido, gorila, macaco e veado”, disse.
O rapaz não esquece o momento da perfuração no olho. “Eu me senti humilhado, triste”, contou. O jovem descreve o corte no olho com uma frase. “É tipo como se estivesse pegando fogo”. Se recorda do líquido ocular escorrendo pela face após o ataque. Wtsherdhay ainda sente dores pelo corpo e no nariz, no ponto do corte.
Brutalidade
De acordo com o jovem autista, nunca houve uma briga entre eles. Por isso, o rapaz ainda não assimilou a brutalidade. “Eu acho que eles queriam me matar”. Mesmo depois de tanta dor, Wtsherdhay mantém o coração bom. Deseja mais amor para DF. “(Espero) mais amor para a pessoas e que elas possam ser amadas”, comentou. O rapaz pede justiça, mas está disposto a perdoar.
Segundo as investigações em curso na Delegacia da Criança e do Adolescente II (Taguatinga), os agressores são menores de idade. “Eu queria perdoá-los, dar um abraço e espero a Justiça de Deus”. A mãe do rapaz, Wheda Gonçalves dos Santos, 42 anos, defende uma pena análoga à tentativa de homicídio aos menores agressores. Segundo ela, o jovem autista já sofreu preconceito no passado, mas nunca foi alvo de violência e barbárie.
Para o presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Autismo da seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) e diretor presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil – MOAB, Edilson Barbosa, a falta de uma medida socioeducativa passa para a sociedade a mensagem que atos bárbaros como este podem acontecer. “A gente precisa dar resposta. Senão vai passar a mensagem de que sendo menor, a impunidade prevalece”, alertou.